Cancro: A vertigem de um diagnóstico
Parte 1
E um dia, num simples e despreocupado exame de rotina recebi uma notícia aterradora: tenho um tumor na mama… “- Pode não ser maligno… mas temos que fazer uma biopsia!” disse o médico. E naquele momento não deixei de conseguir pensar. Parecia que alguma coisa ficou anestesiada no meu cérebro!
O DIAGNÓSTICO
Tenho 49 anos e, como habitualmente, fiz a ecografia mamária e a mamografia anual. Sou uma pessoa otimista, por isso não são exames que faço de forma excessivamente preocupada, contudo, é normal ir um pouco tensa, mas, como de costume, o meu médico, pessoa muito experiente, que já me acompanha há uns anos e em quem deposito toda a confiança, disse que estava tudo bem. Já há uns anos que tenho um pequeno nódulo numa das mamas, sem alterações, no entanto e à cautela, o médico recomendou que efetuasse uma ressonância, considerando a minha idade.
Fiz a ressonância 15 dias depois com contraste. Não achei que houvesse razões para estar preocupada, afinal tenho 49 anos e tratava-se de um exame de rotina próprio da idade. Mas logo que terminei, achei estranho a menina vir ter comigo. Disse-me que o Doutor queria ver-me e falar comigo. Entrei já nervosa, sem saber o que pensar. O contraste tinha iluminado uma zona da mama e tínhamos que ver o que se tratava. Fez uma ecografia e lá encontrou o tumor pequenino, agora bem visível pois estava com o contraste da ressonância. Disse que podia não ser maligno, podia ser um fibroadenoma, mas teríamos que fazer uma biopsia para ter a certeza.
Liguei ao meu marido e expliquei-lhe a situação. Ele ficou tão ou mais nervoso do que eu e não parava de fazer perguntas… Eu mantinha o sangue frio, pensava de forma rápida e calculista, a adrenalina corria-me nas veias… marquei a biopsia para 2 dias depois.
A BIOPSIA
No dia da biopsia fui com o meu marido para a clínica. Ia nervosa com o ato em si e com o resultado. Estava realmente muito tensa, mas na verdade não doeu absolutamente nada. Primeiro a Enfermeira colocou um spray gelado na mama que anestesiou superficialmente, depois deu uma injeção com a anestesia. Depois disso fizeram uma pequena incisão por onde entraram os instrumentos para fazer a recolha de tecido. O desagradável é que cada vez que é feito um pequeno corte, a “tesoura” faz um “clap” sonoro e estridente, depois a Enfermeira vai verificar se o tecido é viável, e o médico continua a fazer pequenos cortes até ter vários pedacinhos viáveis para análise. Quando terminei doíam-me os ombros e os braços de estar tão tensa e rígida o tempo todo, era impossível conseguir relaxar…
O RESULTADO
O resultado chegou uma semana depois. Ligaram-me da clínica e lá fomos, nervosos, levantar o resultado. Abrimos de imediato o envelope e a primeira coisa que li foi “carcinoma invasivo…” depois o texto continuava com uma linguagem muito técnica em que tinha uns indicadores positivos outros negativos, e fiquei sem perceber muito bem o que tinha. Pedi de imediato para falar com o médico e ficámos numa salinha à espera, a tentar decifrar o texto do resultado da análise. Aparentemente estava calma mas por dentro estava a 300 à hora. Não sabia se estava com um bloqueio emocional ou se era normal sentir-me dessa forma. O meu marido procurava na NET o significado daqueles termos, e eu às tantas só lhe disse “…tenho cancro da mama, não é?”. Ele também se debatia com o abismo inevitável em que estávamos prestes a entrar. Mas nessa altura não me conseguia aperceber disso. Simplesmente não conseguia pensar.
Entrámos para o gabinete e o médico explicou-nos que era uma neoplasia da mama, que estava numa fase muito inicial, estava completamente encapsulado, por isso o prognóstico era muito bom. Mediante a análise da biopsia, este tipo de tumor, sendo uma coisa má, é o melhor que se pode ter… (por estranho que pareça dizer-se isto a uma pessoa que tem cancro…). O médico foi bastante sensato e tranquilizou-nos bastante. Falou-nos em estatísticas, uma vez que já viu mais de 11.000 mulheres ao longo da vida dele e sabe exatamente do que fala.
A verdade é que é precisamente deste tipo de tranquilidade que precisamos do nosso médico num momento destes. Quando entrámos no carro o meu marido chorou de alívio… desabafou que até agora me tinha por certa e que não estava nada preparado para me perder… Eu sei que ele não lida bem com as situações de doenças ou acidentes graves, porque também já teve a dose dele nessa matéria e percebo essa fragilidade, por isso, o nosso instinto é proteger as pessoas de quem gostamos.
O passo seguinte era falar com a minha ginecologista para me recomendar um cirurgião para me operar. E marcámos a consulta com uma médica cirurgiã especialista nesta área.
A CONSULTA DE CIRURGIA
Uma semana depois fomos à consulta de cirurgia. Estava nervosa. Entrei a medo. Ele limitou-se a perguntar-me “- Sabe o que tem, não sabe?” – de uma forma dura e fria, de quem lida diariamente com estas situações e não tem tempo para lamechices. Eu a medo respondi que sim e ele começou a dizer tudo o que iam fazer, desde tirar a área do tumor, colocar um arpão, cintilografia, fazer o esvaziamento axilar, radioterapia, hormonoterapia… eu ouvia tudo e só ia respondendo que sim. Perguntei o que era o esvaziamento axilar ao que ele respondeu de forma firme e rígida que era retirar os gânglios todos da axila. Explicou também que o arpão era precisamente um arpão que era colocado no tumor antes da cirurgia para sinalizar o seu local. Há médicos que deviam fazer uma reciclagem em aulas de humanidades e sensibilidade… este médico faltou certamente a essa disciplina! Contudo, acho que percebi o essencial do que me disse, mas só absorvi uma percentagem. Sentia-me gelada e rígida. Marcámos a cirurgia para uma semana depois. Ele ia-me dando indicações de tudo o que tinha que fazer para preparar o pré-operatório. Nesse mesmo dia, teria ainda que ir a diferentes departamentos do hospital fazer análises ao sangue específicas, um eletrocardiograma e fazer a marcação do arpão e a marcação de uma cintilografia para o dia da cirurgia, no departamento de medicina nuclear.
Saí do consultório aterrorizada. Disse ao meu marido que estava bem e pedi-lhe para ir buscar a nossa filha à escola, pois já eram 19h, enquanto eu ficava a fazer os exames. Depois apanhava um UBER.
Enquanto esperava sozinha para fazer os exames nas salas de espera, as lágrimas corriam-me dos olhos sem controlo. Acho que não tinha expressão facial. Sentia um desespero angustiante e a única preocupação que conseguia decifrar nessa turbulência de sentimentos e emoções era o sofrimento que ia causar aos meus filhos se eu morresse…
Finalmente acabei os exames. Era noite escura. Saí para a rua e chovia uma chuva miudinha. Caminhei devagar debaixo da chuva molha-tolos e foi quando explodi num choro desesperado e de forma convulsiva e deformada, como se me tentasse libertar de algo… nós temos a ideia de que algumas coisas só acontecem aos outros e não estamos preparados de forma alguma para as enfrentarmos quando nos acontecem a nós…
Apanhei um UBER e voltei para casa, cansada e aparentemente calma. Nessa noite pouco falei com o meu marido, apesar das suas tentativas vãs. Sabia das fragilidades dele e não queria que ficasse mais preocupado com os meus medos. Nessa altura não pensava nos dele…
Nos dias seguintes continuava deprimida e angustiada. Acordava de manhã em sobressalto a perguntar-me se teria sido um pesadelo, mas depressa acordava para a realidade.
Passamos a ver a vida de outra forma… não que tivesse medo de morrer, a minha preocupação comigo mesma passou para segundo plano… a minha preocupação primordial era sempre com os meus filhos que eram muito novos para perder a mãe e eu não queria ser a causa de sofrimento para eles. Doía-me o coração só de imaginar o sofrimento que a minha morte lhes iria causar…
Alex
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