Cancro: A vertigem de um diagnóstico

Parte 2

Nos dias que se seguiram não conseguia trabalhar, não me conseguia concentrar, estava permanentemente em sobressalto, nervosa, só pensava que não podia continuar assim até à cirurgia, não era saudável para mim e para a minha família. Já me doía tudo… sentia os gânglios inflamados na axila, não sabia se era sugestão ou se estavam mesmo! Enfim… não estava bem de forma nenhuma, nem do corpo nem da mente, sentia-me a colapsar. O que sabia era que precisava de falar com alguém que me tranquilizasse… e pedi ao meu marido para irmos num final de dia falar com o meu médico ecografista. O meu marido disse que se era isso que eu precisava era isso que íamos fazer.

Pedi ao meu médico que nos recebesse para falar com ele. Esperei 5 minutos e entrámos. Expliquei-lhe que já tinha ido à consulta de cirurgia, mas que tinha ficado extremamente ansiosa e assustada com o discurso frio e direto do cirurgião.  Expliquei-lhe os pormenores da cirurgia… que já tinha dores por todo o lado… e pedi-lhe que me tranquilizasse… ao que o médico com o seu olhar pacato e tranquilizador abanou a cabeça e me disse “- Ó filha isto não é caso para isso… o cirurgião a que está entregue é um dos melhores que há nessa área… o seu caso é claramente uma situação em que deve estar tranquila…” e foi nessa altura que finalmente soltei o desespero que ia dentro de mim e desatei a chorar de alívio por finalmente ouvir uma voz de tranquilidade, que tanto é preciso ouvir nestas alturas… ao mesmo tempo o médico ia abanando a cabeça com um leve sorriso tranquilo nos lábios e ia dizendo “- …quer que lhe fale em estatísticas? Sabe quantas mulheres eu vejo diariamente que tiveram situações muito mais graves que a sua e que eu continuo a ver há anos e que estão bem?”

Saímos do consultório comigo sem parar de chorar, mas de alívio. O sistema nervoso assim o exigia.  O António parecia surpreendido por me ver chorar e a certa altura comentou, “mas parecia que estavas tão bem…”  – sim, parecia, mas estava na realidade a implodir!

Voltámos para casa e desta vez muito mais tranquila. Parecia outra pessoa. Nessa noite chamaram-me para a consulta de anestesia e lá fui, sozinha e confiante, sem medos, apesar de haver sempre um pequeno peso no estomago. O António ficou em casa com as crianças.

A CONSULTA DE ANESTESIA

O médico anestesista fez as perguntas técnicas necessárias, e depois encetou uma conversa comigo no sentido de perceber como é que eu me sentia, com um discurso cordial, afável e tranquilizador. Em resumo, uma conversa amena daquelas que nós precisamos de ouvir nestas alturas!

O DIA DA CIRURGIA

A cirurgia seria às 15h, mas não podia comer desde as 7horas da manhã e tinha que estar no hospital às 8h da manhã para começar a fazer o pré-operatório.

A partir do momento que dei entrada no hospital, só podia andar de cadeira de rodas. Vesti uma bata e levaram-me para o primeiro exame: a cintilografia.

A CINTILOGRAFIA

O objetivo deste exame é detetar o gânglio sentinela, ou seja, pelo que me explicaram, todos os tumores drenam para um gânglio, e o objetivo deste exame é detetar o gânglio sentinela para onde drena o tumor. Tal não implica que o tumor esteja a drenar e que o gânglio esteja já contaminado, contudo, caso esteja a drenar será para esse gânglio que drena. Durante a cirurgia abrem a axila no local exato do gânglio sentinela e extraem o gânglio que é analisado durante a cirurgia. Se estiver contaminado, vão extraindo e examinando gânglios até encontrarem gânglios que já não estejam contaminados. Se não estiver contaminado, não será necessário extrair mais gânglios e é só fechar a incisão.

Primeiro injetaram uma substância radiativa azul na mama que ficou a fazer efeito durante cerca de 30 minutos. Nessa altura deitaram-me numa máquina enorme que se movimentava e rodava sobre si mesma, de forma a que o médico marcasse com um X na axila o local exato do gânglio sentinela, onde o cirurgião deveria fazer a incisão para analisar o gânglio sentinela. Avisaram-me que durante uns dias ia fazer xixi verde…

Dali voltei para a sala de espera onde havia mais senhoras em cadeiras de rodas a fazer o mesmo percurso que eu…

O ARPÃO

Dali levaram-me para um gabinete para colocar o arpão. O arão é precisamente o que o nome indica, um arame comprido com um arpão na extremidade, que é introduzido na mama e é “ancorado” no tumor para sinalizar o mesmo durante a cirurgia.

Deitaram-me numa maca de ecografias. A enfermeira deu-me uma anestesia na mama e depois um médico começou a introduzir uns arames fininhos e compridos na mama. Ia olhando para a máquina das ecografias e ao mesmo tempo fazia força e dava impulsos para que o arpão ficasse preso onde devia. Quando me levantei vi que tinha uns arames enormes a sair da mama… emocionalmente não é fácil… a enfermeira ajudou-me a ir a pé até à máquina da mamografia pois tinha que fazer uma, para ver se o arpão estava bem colocado. Estava tudo bem. A enfermeira ajudou-me a sentar e foi quando as lágrimas me inundaram os olhos. A enfermeira percebeu a minha fragilidade e foi muito meiga e querida. Enrolou os arames e colocou um adesivo sobre os mesmos. Voltei para a sala de espera e brinquei com o meu marido que estava pálido à minha espera. Disse-lhe que agora era a mulher autómata,  pois tinha arames a sair da mama!

Praticamente não tive ali tempo nenhum, pois apareceu a enfermeira a dizer que já me tinham chamado do bloco.

A CIRURGIA

Levaram-me na cama para o bloco. Acho que o meu marido me deu um beijo antes de eu entrar, mas já não posso precisar. Entrei e vi aquele aparato todo, com imensas pessoas. Todas bem-dispostas. Pudera!

Sentado num canto, estava o cirurgião já equipado à minha espera. Naquele dia mais simpático, mas com aquele espírito de quem vê sempre as coisas pela lado mais negativo… como quando lhe perguntei – “Doutor, acha que é cirurgia para durar quanto tempo?” ao que respondeu com um tom pessimista “- Sei lá…depende do que vá encontrar!…”.

O anestesista era o da consulta de anestesia. Aproximou-se e disse para eu estar calma que estava tudo bem…e apaguei.

Acordei no recobro, bem disposta, sem náuseas ou enjoos. Estive 2 ou 3 horas no recobro mas acho que não estava muito lúcida. Só tinha sono e só me apetecia dormir. Só me lembro de me terem levado para o quarto.

Já no quarto soube pelo António que a cirurgia correu muito bem. O gânglio sentinela deu negativo. O médico tirou uma área de segurança em volta do tumor e fez uma reconstrução mamária. As notícias não podiam ser melhores.

No próprio dia a enfermeira recomendou que colocasse um soutien e que devia andar sempre de soutien, inclusive para dormir, durante um mês. Devia também levantar o braço para cima.

Não tive dores nenhuma. Só algum desconforto. No dia seguinte, ao final do dia o médico mostrou-me os pontos e deu-me alta.  Tinha uma sutura na axila com cerca de 4cm e outra na mama disfarçada pela auréola do mamilo, com aproximadamente 6cm.

O trabalho estava feito e bem feito!

Alex

 

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